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sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Com acordo europeu, é a hora certa de entrar na bolsa?

Países europeus deram passo fundamental para resolver os problemas fiscais, mas há uma série de riscos que ainda pairam no ar

Policiais eram minoria nos protestos da Grécia
Protestos na Grécia: solução definitiva da crise deve levar bastante tempo
São Paulo – Os investidores receberam com euforia a notícia de que os países da zona do euro conseguiram chegar a um acordo para reduzir a dívida da Grécia em 50% com a participação do setor privado e que o fundo de estabilização europeu, que já havia recebido 440 bilhões de euros, terá uma injeção de mais 1 trilhão de euros. As bolsas e o euro se valorizam ao redor do mundo – e há justificativas consistentes para a alta. Mas não é hora de tapar o sol com a peneira: ainda existem uma série de problemas para a economia mundial que precisam ser resolvidos para que haja um forte rali de longo prazo.
É verdade que a Europa deu um grande passo no sentido de promover uma reestruturação organizada da dívida dos países insolventes. Até ontem, os líderes mundiais ainda pareciam se esquivar dos verdadeiros dramas porque ninguém parecia disposto a pagar a conta inevitável de uma solução duradoura. Parece menos arriscado, portanto, entrar na bolsa agora do que há um mês. Mas para que alguém possa vender o apartamento para comprar ações sem parecer insano, ao menos sete questões ainda precisariam ter uma resposta adequada. Abaixo, EXAME.com apresenta os principais riscos para a Europa que justificam a manutenção da cautela entre os investidores e sugerem compras de ações apenas aos pouquinhos, quando os preços estiverem atrativos:
1 – De onde virá 1 trilhão de euros para capitalizar o fundo de estabilização europeu?
O acordo anunciado no início desta quinta-feira não contém detalhes sobre o rateio da conta entre os principais países-membros da zona do euro. Como a maioria das nações europeias já se encontra extremamente endividada, não são muitos os que poderão contribuir significativamente com o fundo. A maior parte do dinheiro deve vir de países que ainda se encontram em situação fiscal confortável, como a Alemanha e a Holanda. Dificuldades na aprovação do acordo por todos os países são prováveis, uma vez que até mesmo a colocação de 440 bilhões de euros no fundo há algumas semanas por pouco não foi barrada.
Para que a solução seja politicamente viável, é necessário que seja desenhado um modelo que não deixe a impressão que os países que mais colocarão dinheiro no fundo sejam os menos beneficiados pela notícia. O problema é que a Europa mediterrânea pouco poderá ajudar com recursos. Mesmo uma potência como a França já corre o risco de perder o rating “AAA” das agências internacionais de risco devido à exposição à dívida grega. Será necessário calibrar direitinho a participação de cada um no fundo.
2 – A China vai ajudar?
Até o momento, países emergentes como a China ou o Brasil têm defendido que a ajuda internacional à Europa seja feita por meio de instituições multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional. Em um país em desenvolvimento como o Brasil, parece mesmo politicamente inviável que o governo decida enviar recursos para o resgate de nações mais ricas. O mercado, entretanto, nutre a expectativa de que ao menos a China compre títulos europeus e ajude a dar credibilidade ao processo de reestruturação das dívidas. O país asiático está sentado sobre trilhões de dólares em reservas, que poderiam ser bastante valiosas neste momento. Para que isso aconteça, duras negociações terão de ser levadas adiante.
3 – A reestruturação da dívida grega não pode obrigar outros países a também fazer o mesmo?
Esse é o principal temor dos analistas. Se Portugal, Irlanda, Espanha e Itália também não tiverem condições de rolar suas dívidas, nem mesmo a injeção adicional de 1 trilhão de euros pode ser suficiente para resgatar a confiança dos investidores. É uma questão a ser acompanhada de perto pelos investidores.
4 – Como a Europa pode evitar o pânico no curto prazo se o mercado começar a questionar a solvência de todos os PIIGS?
o para cobrir parte das eventuais perdas que sejam registradas por quem comprar novos títulos emitidos pelos PIIGS; ou 2) usar o dinheiro do de estabilização, de fundos soberanos estrangeiros e do FMI diretamente na rolagem da dívida desses países. Os detalhes sobre como esse processo será conduzido ainda não são conhecidos.
5 – Os bancos da região podem aguentar a reestruturação em massa das dívidas europeias?
Se toda a conta for empurrada para o setor privado, muitos bancos que carregam em carteira títulos dos PIIGS provavelmente precisarão de uma grande injeção de capital para sobreviver. A quebra do Dexia, maior banco da Bélgica, ilustra bem como um calote soberano pode fazer mal ao balanço de uma instituição financeira. O Dexia estava altamente exposto à Grécia. Como não havia dinheiro suficiente para cobrir todas as perdas com os títulos gregos que estavam em tesouraria, a instituição teve de ser nacionalizada. A reestruturação generalizada da dívida dos PIIGS pode fazer com que muitas outras instituições tenham o mesmo destino – ou até mesmo declarem falência.
6 – E não há riscos de que os governos dos PIIGS também não cumpram sua parte?
Certamente há. Para que a reestruturação da dívida funcione e os países voltem a ser solventes, também é necessário promover programas severos de cortes de gastos que incluam drásticas reduções em benefícios sociais. Os protestos dos últimos meses em diversos países da Europa mostram que a população dos PIIGS não está nada contente com a perda de direitos e que esse processo será desgastante. Mesmo líderes populares poderão sucumbir no caminho.
7 – Se a reestruturação das dívidas der certo, a Europa voltará a crescer?
Uma solução para a solvência dos países europeus é crucial para que os mercados retomem a confiança e para que as bolsas voltem a subir com consistência. Os problemas econômicos da Europa, entretanto, são bem mais complexos. Boa parte dos PIIGS não possui uma economia competitiva e eficiente. A demografia não ajuda: poucos trabalhadores ativos precisam sustentar uma grande quantidade de idosos, e isso tem impacto no custos dos bens e serviços produzidos internamente. Se não vierem por aí medidas protecionistas, o aumento da produtividade dos europeus dependerá da redução relativa dos salários. Isso pode ser feito tanto com o corte das remunerações dos trabalhadores ou por meio da desvalorização do euro. Como a segunda solução é a menos dolorosa, é provável que os líderes europeus caminhem nesse sentido. Tornar as economias europeias mais dinâmicas, no entanto, é um desafio que deve exigir anos de esforços.

As ações mais atrativas após o acordo europeu

Investidor deve continuar a olhar para setores defensivos e ligados ao mercado interno, mas algum risco na carteira já pode ser interessante

Bradesco e Itaú
Os bancos, que já se recuperam, devem ser os mais beneficiados pelo anúncio europeu
São Paulo – O acordo de calote planejado da Grécia e de recuperação dos bancos europeus anunciado nesta quinta-feira animou o mercado de ações, mas especialistas ainda consideram cedo para dizer que a recuperação começou. O que ocorreu foi uma acalmada de ânimos, mas ainda pairam no ar muitas dúvidas de como o plano europeu será levado a cabo para por fim à crise na Zona do Euro.
O Ibovespa fechou a quinta-feira com alta de 3,72%, chegando aos 59.000 pontos, e o volume negociado fechou em 10 bilhões de reais, como há muito não se via. Apesar da euforia, os analistas ouvidos por EXAME.com são cautelosos. Para eles, o plano anunciado foi só o primeiro passo, e o mercado ainda deve ver bastante volatilidade no curto prazo.
Algumas opiniões se dividem, mas todos concordam que agora as instituições financeiras devem assistir a uma recuperação. A maioria acredita ainda em boas perspectivas para o setor de commodities, mas algumas orientações de tempos de crise permanecem, como priorizar setores defensivos e empresas ligadas ao mercado interno. Há quem acredite que agora já é uma boa hora de adicionar algum risco na carteira, mas ainda com cuidado e observando os setores mais beneficiados.
Quanto à postura do investidor, o conselho também continua o mesmo. “O investidor deve ter cautela e comprar ações aos poucos, e sempre pensando no longo prazo, porque a volatilidade continuará alta”, alerta Mitsuko Kaduoka, diretora da área de Análise de Investimentos da Indusval & Partners Corretora. Veja a seguir as recomendações dos analistas:


Felipe Miranda, analista da Empiricus
"Depois desse acordo, a Bolsa entra num período mais favorável, mas não quer dizer que todos os problemas tenham sido solucionados. Ainda há necessidade de união fiscal dentro da união monetária – o euro não sobreviverá no longo prazo sem isso. Também existe a necessidade de endereçar os problemas de crescimento econômico na Europa, pois de nada vai adiantar tudo isso se a Europa não voltar a crescer economicamente.
Mas o cenário de catástrofe foi afastado. As medidas anunciadas sinalizam que o pânico de curto prazo arrefeceu, e isso é muito bom. Para aproveitar esse momento, o investidor pode adicionar um pouco de beta à carteira. O beta é uma medida de sensibilidade da ação às condições de mercado. Ele indica quanto a ação sobe quando sobe o Ibovespa. Em outras palavras, quão forte é a oscilação quando o índice oscila. Uma ação de beta alto oscila muito quando o Ibovespa oscila pouco. São ações com maior sensibilidade ao mercado, boas para quando se acredita que o mercado vai subir.
Nesse sentido, gostamos da ação da Gafisa, que está muito descontada e tem o beta alto (2,62 – quanto mais acima de 1, mais agressivo). Os resultados dos trimestres anteriores foram ruins, mas esperamos que o resultado do terceiro trimestre (a ser divulgado dia 14 de novembro) seja um pouco melhor em matéria de geração de caixa. Também temos a perspectiva de que a Gafisa separe suas operações da Tenda, que não tem tido bom desempenho.
Uma ação que está bastante descontada e é exposta ao mercado externo é a da HRT, empresa pré-operacional de petróleo que tem blocos no Rio Solimões e na Namíbia. O papel apanhou este ano, caindo mais de 50%. Além disso, a empresa deve em breve fechar acordo para a entrada dos russos da TNK-BP no Solimões (a HRT negocia participação de 45% nos blocos da região com a joint-venture anglo-russa). É uma ação arriscada, mas com boa chance de multiplicar os ganhos.
Finalmente, gostamos das ações do Itaú Unibanco, que estiveram bastante descontadas, assim como o setor bancário em geral. O resultado para o terceiro trimestre também deve ser melhor. Depois que ocorrer a recapitalização dos bancos lá fora, o mercado deve voltar a olhar para o setor bancário 'com carinho'.”


Mitsuko Kaduoka, diretora da área de Análise de Investimentos da Indusval & Partners Corretora
"O mercado está animado em função da finalização do acordo, mas isso não quer dizer que não haverá mais nervosismo. Houve apenas uma acalmada. Nesta quinta-feira o desempenho da Bolsa foi melhor pontualmente porque foi o dia em que o acordo foi anunciado. O volume negociado nesta quinta-feira foi um volume normal, não de tempos de crise. Fazia tempo que não se via isso na Bovespa. Mas tenho dúvidas de que isso seja mantido. Agora a gente está entrando na fase de divulgação dos resultados do terceiro trimestre, e é para isso que devemos olhar.
Por exemplo, nesta quinta-feira, o dólar teve forte queda (fechando com desvalorização de 3,24%). Com isso, os papéis de empresas com forte endividamento em dólar tiveram valorização, como Marfrig, JBS e Fibria. Mas eu não acredito que essa queda do dólar seja muito consistente. Por ora, o piso da moeda americana deve ficar em 1,70 real.
Eu ainda prefiro empresas menos endividadas e boas pagadoras de dividendos. Nesse momento, o investidor pode olhar para o setor de energia, bastante defensivo. Ou então para a Ambev, que é uma empresa muito redonda, com resultados sempre crescentes, crescimento vegetativo do mercado consumidor e forte geração de caixa.
Outro setor atrativo é o de bancos, que sofreram muito com a crise europeia. Para esse setor, não existe o reflexo do dólar, mas os efeitos da crise nas ações dos bancos europeus foram sentidos no desempenho dos bancos brasileiros. O Bradesco já anunciou resultados muito bons, e a perspectiva para o resultado do Itaú é igualmente boa. Já o Banco do Brasil deve ter um resultado um pouco problemático, por conta de inadimplência na parte de financiamento de veículos.
Ainda no setor financeiro, Redecard e Cielo são papéis interessantes, que vem apresentando crescimento modesto, mas constante, e podem tranquilamente permanecer na carteira. Para o longo prazo, o setor de siderurgia também pode ser interessante. Os papéis sofreram muito nos últimos dois trimestres, porque os estoques de aço estavam muito elevados. Uma boa ação do setor é a da Gerdau, empresa bem administrada, com histórico de resultados e com proteção em dólar por conta de suas operações nos Estados Unidos.
Não recomendo setor de construção nem de varejo. No primeiro, apesar da alta no curto prazo, os resultados das empresas no terceiro trimestre não devem ser muito bons. Melhor aguardar. No segundo, acredito que os múltiplos estão altos, e também é preferível aguardar os resultados.
Não acredito que os investimentos estrangeiros vão retornar à Bolsa brasileira agora, de imediato. Ainda vai levar certo tempo para se entender de que forma vai ser feito o calote grego e a ajuda aos bancos. Se tudo der certo, o mercado vai melhorar um pouco mais, mas a volatilidade ainda deve continuar. As notícias isoladas sobre países como Itália e Espanha ainda podem impactar o mercado."


João Pedro Brugger, analista da Leme Investimentos
"A Bolsa deve continuar bem volátil no curto prazo. O acordo desta quinta-feira trouxe alívio para o mercado, que há meses esperava por uma solução, deixando-o mais leve. O Ibovespa cai 15% neste ano e já chegou a desvalorizar 30%. Esse mercado mais difícil afasta o pequeno investidor.
Algumas ações estão bem descontadas, pois estavam precificando o pior cenário externo possível, esperando até uma recessão americana. O temor de recessão nos Estados Unidos arrefeceu e esse acordo na Europa diminuiu um pouco a pressão. É esperada uma recuperação das bolsas nos próximos meses, incentivada também pela divulgação dos balanços do trimestre.
Em matéria de desempenho, a Bolsa brasileira está atrás até de outras bolsas emergentes. Com a diminuição das incertezas, os investidores devem retornar à Bovespa. Se tudo der certo com o pacote europeu, o Ibovespa pode alcançar os 65.000 pontos em talvez dois ou três meses, o que iria praticamente zerar as perdas. Porém, a volatilidade deve permanecer, e ainda pode haver uma reversão do índice.
Os setores mais beneficiados devem ser o de commodities e aqueles ligados à economia doméstica. No primeiro, as empresas sofreram por causa do cenário externo, mas nós vemos recuperação para o setor. Gostamos da Vale, pois não compartilhamos da opinião geral sobre a desaceleração chinesa. Mesmo com uma redução de 9,0% para 7,0% ao ano, o crescimento continua forte. Não dá para crescer a 10,0% ao ano para sempre. É insustentável e pode trazer mais consequências negativas que positivas.


Já os setores ligados à economia doméstica devem continuar puxando o Ibovespa, principalmente com a atual perspectiva de queda de juros internamente. Ainda há dúvidas sobre a sustentabilidade dessa queda, diante do cenário de inflação. O governo espera que uma desaceleração externa ajude a reduzir a inflação, mas se as coisas melhorarem lá fora, pode ser preciso interromper o ciclo de queda de juros.
No médio prazo, o governo quer convergir a Selic para patamares mais condizentes com o que se pratica no mundo. Talvez os juros parem de cair, mas se o BC conseguir manter uma política monetária mais frouxa, os setores de consumo e construção civil serão beneficiados. Gostamos de Lojas Renner e também do Pão de Açúcar, que apesar dos problemas ocorridos neste ano, conseguirá capturar o crescimento brasileiro no médio e no longo prazo.
Num horizonte de prazo mais longo, as empresas de infraestrutura – como as de logística e as concessionárias de rodovias – devem se beneficiar dos investimentos dos próximos anos."


Álvaro Bandeira, diretor da Ativa Corretora
"O plano europeu esta apenas começando. Algumas decisões já eram esperadas há muito tempo, e vieram do lado correto. Os mercados estavam estressados e foram destravados, mas o que foi anunciado ainda não é a salvação. É preciso pôr o plano em prática, e ainda há algumas perguntas a serem respondidas. De onde virão os recursos do fundo de resgate? Como o setor privado vai se engajar no perdão da dívida? Como vai ser feita a recapitalização, principalmente dos bancos gregos? Por enquanto, o mercado só vai retornar mais próximo ao normal. Não dá para visualizar com clareza o que pode acontecer.
Se o plano der certo – e a gente está falando aqui de 2013, 2014 – as economias da Europa começarão a se recuperar mais fortemente. Para o mercado de risco, basta que a direção esteja correta, o que já vai garantir uma recuperação. O momento, contudo, é de atravessar uma fase de economia global mais fraca. Setores que ficaram muito deprimidos, como o de commodities, podem avançar a partir de agora, o que inclui mineração, siderurgia e petróleo. Também pode haver bons desempenhos nos setores de construção civil e varejo."